Coleção História Geral da África
África Antiga
Gamal Mokhtar
O presente volume da História Geral da África refere-se ao longo período que se estende do final do Neolítico – isto é, em torno do VIII milênio antes da Era Cristã – até o início do século VII da Era Cristã.
Esse período da história africana, o qual abrange cerca de 9 mil anos, foi abordado, depois de alguma hesitação, considerando-se quatro zonas geográficas principais:
• o corredor do Nilo, Egito e Núbia (capítulos 1 a 12);
• a zona montanhosa da Etiópia (capítulos 13 a 16);
• a parte da África comumente denominada Magreb e seu interior saariano (capítulos 17 a 20);
• o restante da África, inclusive as ilhas africanas do oceano Índico (capítulos 21 a 29).
Essa divisão é determinada pela compartimentação que atualmente caracteriza a pesquisa em história da África. Poderia parecer mais lógico organizar o volume de acordo com as principais zonas ecológicas do continente, oferecendo cada uma delas condições de vida semelhantes a todos os agrupamentos humanos que as habitam, sem que haja barreiras naturais a impedir o intercâmbio (cultural ou de outro tipo) no interior de uma mesma região.
Nesse caso, obteríamos um quadro inteiramente diferente: partindo do norte e seguindo em direção ao sul, teríamos aquilo que, desde o século VIII da Era Cristã, é denominado ilha do Magreb – de geologia, clima e ecologia gera predominantemente mediterrânicos – e a larga faixa subtropical do Saara com seu acidente tectônico, o vale do Nilo. Em seguida, teríamos a zona das grandes bacias fluviais
O subtropicais e equatoriais, com sua costa atlântica. Depois, a leste viriam as terras altas da Etiópia e o Chifre da África, voltado para a Arábia e o oceano Índico. Finalmente, viria a região dos Grandes Lagos equatoriais, ligando as bacias do Nilo, Níger e Congo à África meridional e seus anexos: Madagáscar e outras ilhas oceânicas próximas à África.
Infelizmente, a adoção dessa divisão – mais lógica do que aquela que tivemos que utilizar – é inviável. O pesquisador que deseja estudar a história da África na Antiguidade é, de fato, consideravelmente tolhido pelo peso do passado. A compartimentação que a ele se impõe – e que se reflete no plano aqui adotado – deriva, em grande parte, da colonização dos séculos XIX e XX: o historiador, fosse ele um colono interessado no país em que vivia ou um colonizado refletindo sobre o passado de seu povo, encontrava-se, a contragosto, confinado a limites territoriais arbitrariamente fixados. Para ele era difícil, se não impossível, estudar as relações com países vizinhos, embora, do ponto de vista histórico, esses países e o país que o interessava diretamente quase sempre formassem um todo. Esse considerável peso do passado não desapareceu completamente; em parte, por inércia – quando se cai numa rotina, tende-se a permanecer nela, ainda que a contragosto –, mas também pelo fato de os arquivos de história da África, constituídos por relatórios de escavações ou textos e iconografia, estarem, para algumas regiões, reunidos, classificados e publicados segundo uma ordem arbitrária que não se aplica à situação atual da África, mas que é muito difícil de se questionar. Este volume da História Geral da África, talvez mais ainda do que o volume anterior, teve que se apoiar em suposições. O período que ele abrange é obscuro, devido à escassez de fontes, em geral, e de fontes precisamente datadas, em particular. Isso se aplica tanto às desequilibradas coleções de fontes arqueológicas quanto às fontes escritas e figuradas, exceto no que diz respeito a algumas regiões relativamente privilegiadas, como o vale do Nilo e o Magreb. É essa falta de bases documentais sólidas que torna necessário o recurso a suposições, uma vez que fatos seguramente estabelecidos constituem exceções.
Um outro ponto deve ser enfatizado: as fontes arqueológicas de que o historiador dispõe são bastante inadequadas. As escavações não se distribuem de maneira uniforme por todo o continente. Em outras partes não há a mesma densidade de escavações que encontramos principalmente ao longo da costa, no interior da franja setentrional e, sobretudo, no vale do Nilo, na região que se estende do mar até a Segunda Catarata.
Infelizmente, essa falta de documentos arqueológicos não pode ser suprida pela narrativa de viajantes estrangeiros contemporâneos dos eventos ou fatos que compõem este livro. A natureza hostil e a extensão do continente desencorajaram, na Antiguidade, como depois, a penetração de forasteiros. Notaremos que as viagens de circunavegação contribuíram muito para elucidar a história da África. Pelo que se sabe até agora, a África é o único continente em relação ao qual isso ocorreu (cf. capítulos 18 e 22). As considerações acima explicam por que a história da África, de -7000 a +700, ainda consiste amplamente em suposições. No entanto, essas suposições nunca são infundadas; baseiam-se em informações reais, ainda que raras e insuficientes. A tarefa daqueles que contribuíram para este trabalho foi coletar, examinar e avaliar essas fontes. Sendo especialistas nas regiões cuja história – por mais fragmentária que seja – eles investigam, apresentam aqui a síntese daquilo que pode ser legitimamente deduzido, a partir dos documentos de que dispõem. As suposições que apresentam, embora sujeitas a reexame quando se puder contar com novas fontes, certamente proporcionarão estímulo e indicarão linhas de pesquisa para os futuros historiadores.