Tânia Lobo e Klebson Oliveira
"A formação histórica do português brasileiro deu-se em complexo contexto de contato entre línguas.
Dentre as diversas situações de contato havidas, a do português com línguas africanas assume maior relevância por ter sido generalizada no tempo e no espaço. Africanos e afro-descendentes, no período que se estende do século XVII ao século XIX, correspondem juntos a cerca de 60% da população brasileira (cf. MUSSA, 1991). Contudo, a escrita da história lingüística deste que é o mais expressivo segmento formador da população brasileira era tarefa que se colocava no plano de uma reconstrução quase que exclusivamente a partir de ‘indícios’, uma tarefa não para historiadores, mas para arqueólogos da língua portuguesa (cf. MATTOS E SILVA, 2002).
No ano de 2000, Oliveira (2003 e 2006) localizou na Sociedade Protetora dos Desvalidos – irmandade negra fundada tardiamente em Salvador no ano de 1832 – um expressivo e raro acervo de documentos
escritos por africanos e negros brasileiros forros. Tais documentos são de fundamental importância para a reconstrução da história lingüística brasileira por, pelo menos, dois aspectos:
1. São fontes que, se supõe, devam permitir uma reconstrução significativamente mais aproximada das chamadas normas vernáculas do português brasileiro.
2. Desvelam, nas investigações sobre a história da cultura escrita no Brasil, um campo de estudos ainda quase por explorar: o dos caminhos trilhados por negros livres ou libertos, integrantes de grupos sociais subalternos, para aprenderem a ler e escrever.
Os dois aspectos acima referidos são os pontos que merecerão destaque, neste capítulo introdutório do África à vista, livro, cujo objetivo principal é a divulgação de dez estudos sobre a morfossintaxe de um conjunto de documentos – sobretudo atas –, escritos em português por africanos na Bahia do século XIX."