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Contos Africanos em Umbundo
UFMG

"Cachaça, caçamba, cachimbo, caçula, cafuné, canjica são palavras reconhecidas por todos os brasileiros como parte de nosso vocabulário.

Entretanto, elas não são herança de nossos colonizadores portugueses e sim uma contribuição dos escravos africanos à nossa língua. São palavras que fazem parte de nosso vocabulário afro-brasileiro. Todos nós sabemos que os negros africanos foram trazidos para o Brasil através do tráfico de escravos. Mas de onde vieram esses escravos? E que línguas trouxeram consigo?

A presença de línguas africanas no Brasil está diretamente associada ao regime escravocrata que, por mais de três séculos sucessivos, de 1502 a 1860, trouxe ao país por volta de 3.600.000 africanos, pertencentes a grupos etnolingüísticos diversos: sudaneses da região situada ao norte do Equador e da costa ocidental e bantos ao sul do Equador.

Não se pode precisar o número de línguas que aqui chegaram, mas sabe-se que na área atingida pelo tráfico são faladas por volta de 200 a 300 línguas, uma pequena parcela do conjunto lingüístico africano que conta com mais de 2.000 línguas. Apesar de o continente africano fazer parte do mapa mundial há séculos, as línguas africanas só despertaram a curiosidade de pesquisadores estrangeiros no final do século XIX.

O primeiro grupo de línguas a ser pesquisado foi o grupo banto – um conjunto de mais de 400 idiomas. Os idiomas bantos são falados em todos os países da África ao sul do Saara. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas falem idiomas bantos.

As línguas do grupo banto formam, juntamente com as línguas da África Ocidental, uma grande e única família, denominada Níger-Congo. É sobretudo dessa família de línguas que recebemos a maior contribuição para o nosso vocabulário afro-brasileiro, pois a maioria dos africanos trazidos pelo tráfico de escravos pertencia a dois de seus ramos: as famílias
lingüísticas banto e kwa. Entre as línguas da família banto, o quicongo, o umbundo e o quimbundo são duas das mais representativas no Brasil. Dentre as línguas dos povos trazidos da África Ocidental, destacam-se os da família kwa, sendo que as línguas mais significativas no Brasil foram as da família ewe-fon e a língua iorubá.

As línguas do grupo ewe-fon são muito próximas entre si, e tinha mais de 100 milhões de falantes, no final do século XVII. Os negros desse grupo foram trazidos, nessa época, em levas numerosas e sucessivas, para o Recôncavo da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Luís do Maranhão e Rio de Janeiro.

Os falantes da língua iorubá, chamados ànàgó pelos seus vizinhos na África, ficaram genericamente conhecidos no Brasil como nagôs. Eles foram trazidos em grandes contingentes para a Bahia, já na última fase do tráfico transatlântico, e empregados, prioritariamente, em trabalhos urbanos e domésticos na cidade de Salvador.

Foram essas línguas africanas que trouxeram as palavras que se incorporaram ao vocabulário do português brasileiro: São vocábulos já integrados ao sistema lingüístico do português e que não devem ser tratados como ‘exóticos’, [...] como resultado de um fenômeno isolado’, provocado por um acaso qualquer, ou como ‘simples sobrevivência’ de uma ‘língua africana’, que, em razão da sua origem, foi posta à margem do processo de interação sociolingüística [...], o que não é verdade.

Afinal, ninguém estranhará se, em uma festa junina, o irmão caçula de alguém estiver com vontade de comer canjica e, não tendo o pai da criança dinheiro suficiente para comprá-la, porque gastou o dinheiro com um gole de cachaça, passar a mão na cabeça do filho e fazer-lhe um cafuné.."
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