Diamantes de Sangue
Corrupção e Tortura em Angola
Rafael Marques
"Este livro nasceu da necessidade de dar corpo consistente a um trabalho de investigação sobre a indústria angolana dos dia‑ mantes, que decorreu entre 2009 e 2011.
O trabalho de campo consistiu em quatro visitas a diversas zonas de garimpo nos municípios do Cuango (principal região de garimpo em Angola) e de Xá ‑Muteba, durante as quais realizei centenas de entrevistas, para além de ter tomado contacto com a realidade local e as condições de vida e de trabalho aí prevalecentes.
Como se demonstrará, as populações desta região encontram‑se sujeitas a um regime de corrupção e violência, de arbitrariedade e impunidade, o qual não deixa dúvidas quanto à adequação do conceito «diamantes de sangue». Quando se negoceia com a indústria diamantífera angolana, negoceiam ‑se, de facto, diamantes de sangue. A comunidade internacional e as organizações internacionais têm de assumir este facto. Efectivamente, e apesar de toda a legislação e de todo o discurso oficial em contrário, na prática, as comunidades locais são torturadas e assassinadas, e não dispõem do mais ínfimo acesso a mecanismos legais de justiça. Para além disso, têm sido sistemática e intencionalmente impedidas de desenvolver actividades de sustento que não o garimpo. As terras são ‑lhes expropriadas, as colheitas destruídas, as únicas vias rodoviárias circuláveis (do Cuango a Cafunfo e à comuna do Luremo) foram privatizadas e o seu acesso é interdito às populações. Para sobreviver, ficam portanto inteiramente dependentes da actividade de garimpo, e como tal absolutamente vulneráveis aos abusos de poder por
parte das forças armadas e de segurança privada, que agem com a total conivência quer das empresas diamantíferas quer das autoridades locais e do governo angolano.
Ao redigir este livro, não pretendi apenas relatar os casos específicos de violação dos direitos humanos, que podem ser consultados no capítulo 6. Pretendi também demonstrar, através dos textos de enquadramento dos capítulos 1 a 5, que esses casos não são um mero somatório de «acidentes» individuais, uma espécie de casos infelizes de uma história que em tudo o mais funcionasse legitimamente. Na origem da corrupção e da violência no Cuango encontram ‑se problemas estruturais, de natureza política e socioeconómica, que procurarei explicar na Conclusão.
A publicação do relatório tem como objectivo não apenas denunciar e divulgar as deploráveis condições de vida e de trabalho no Cuango, como também influenciar a atitude e as decisões do governo angolano, da Assembleia Nacional, do Processo de Kimberley e do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, chamando a atenção da comunidade internacional para as constantes violações dos direitos humanos. Finalmente, e mais importante que tudo, gostaria de contribuir para que as populações angolanas, dentro e fora da Bacia do Cuango, exerçam plenamente a sua cidadania, deixando de tolerar os abusos e os crimes que dominam as regiões diamantíferas."