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Escolas de Samba:
Sujeitos Celebrantes e Objetos Celebrados
Nelson da Nobrega Fernandes
"A escola de samba, um dos maiores espetáculos festivos da modernidade, é uma instituição cultural popular inventada e organizada por grupos sociais das favelas, subúrbios e bairros populares do Rio de Janeiro no final da década de 1920. Quando surgiram, o Carnaval carioca já era reconhecido internacionalmente uma das maiores festas do gênero, que em grande parte era dominado por manifestações como as grandes sociedades e o corso, concebidos e liderados pelas classes superiores da capital do Brasil. Os criadores das escolas de samba não tiveram diante de si um palco festivo vazio e desocupado, cabendo-lhes apenas descer dos morros e subúrbios para ocupá-lo com seus espetáculos, pois, muito pelo contrário, ali existiam competidores respeitáveis como os ranchos, capazes de basear suas exibições e desfiles espetaculares em enredos que reproduziam trechos de óperas clássicas. Diante desse quadro, temos por objetivo explicar como, entre 1928 e 1949, os sambistas agiram para alcançar o êxito de deslocar da principal cena festiva da cidade seus antigos ocupantes e, principalmente, se transformaram numa das representações mais inequívocas da cidade e da identidade nacional brasileira. A formação e a ascensão meteórica das escolas de samba são um caso típico de "invenção de tradição" (Hobsbawm), sendo aqui analisado privilegiando-se certos princípios sobre dinâmica social da festa expostos por Villarroya, notadamente as relações existentes entre as pessoas que projetam, fazem e organizam a festa - os sujeitos celebrantes - com a forma e o conteúdo daquilo que é festejado - os objetos celebrados. Descrevemos as trajetória destas instituições festivas, constatando que os sambistas - sujeitos celebrantes - agiram conscientemente e com relativa autonomia no sentido de fazer aderir o ritual de seus cortejos carnavalescos - objetos celebrados - ao imaginário da identidade nacional brasileira, numa estratégia de ganhar legitimidade política e cultural para as suas práticas festivas. Este processo confirma o suposto de que toda festa, além de resultar de determinadas realidades históricoculturais e expressá-las, depende em grande parte da vontade de seus sujeitos celebrantes, isto é, daqueles indivíduos e grupos que conduzem, organizam e negociam as ações que produzem a forma e o conteúdo de seus objetos celebrados. Do ponto de vista da geografia cultural desenvolvida por Glacken (1996), as instituições que cultivam a música e outras expressões artísticas sempre foram importantes instrumentos para as relações entre o homem e seu meio ambiente, principalmente quando este último se mostra hostil, porque através de tais instituições culturais os grupos sociais podem aprofundar a sua coesão, criar identidades e reinterpretar suas vidas, seus espaços vividos, o mundo e seu próprio lugar no mundo. Nos subúrbios e favelas do Rio de Janeiro, as escolas de samba evidenciam as possibilidades de tal interpretação sobre os homens e o meio ambiente, já que através delas estas comunidades segregadas se aglutinaram, ganharam suas próprias vozes e criaram uma expressão festiva de tal potência que, ao menos no campo simbólico, o que nunca é pouco, conquistaram o direito à cidade, num processo em que o samba acabará por se confundido com uma das representações mais clássicas desta cidade e da nação. Pelas razões mencionadas, este relato se opõe aos que reduziram essa trajetória bemsucedida das escolas de samba a um simples estratagema das classes dominantes para a "domesticação da massa urbana" ou, ainda, como instrumento para o enraizamento do mito da democracia racial no Brasil."
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