Coleção Sons da Bahia
Oyá - Bethânia
Os mitos de um Orixá nos ritos de uma estrela
Marlon Marcos
"A princípio a ideia, depois o desejo deste trabalho nasceram numa disciplina da Faculdade de Comunicação da UFBA, denominada Tópicos em Comunicação, no ano de 2000. Foi nessa disciplina que tomei conhecimento de um livro de Edgar Morin que tratava do universo estelar de atores e atrizes do mundo cinematográfico: As Estrelas – Mito e Sedução no Cinema. Meu contato com esse livro desencadeou em mim uma série de questionamentos sobre o que e quem seriam os mitos da nossa contemporaneidade. O objetivo da disciplina era demonstrar o processo de mitificação pelo qual muitos nomes do nosso atual cenário artístico, político, esportivo e religioso estavam submetidos, e daí análises foram feitas em cima de personalidades como Lady Diana, Evita Perón, Ayrton Senna, Elvis Presley, Xuxa Meneghel, Clara Nunes, Padre Cícero, Madonna, ou seja, nomes que estavam dentro da perspectiva de Morin no chamado star system, o sistema de fabricação e manutenção de estrelas das indústrias culturais espalhadas pelo mundo capitalista, principalmente, a estadunidense Hollywood.
Diante de vários expoentes com feições de “mito contemporâneo”, termo este entendido aqui como sinônimo de “ídolo”, ou melhor, alguém passível de ser idolatrado, amado religiosamente por uma legião de pessoas, pensei em investigar um nome que me era muito caro: Maria Bethânia. Como fã do trabalho da cantora baiana, assíduo frequentador dos seus shows desde o início dos anos 90, impressionava-me a capacidade mobilizadora da artista em relação ao seu público nos teatros, a força expressiva do seu canto, a marcação cênica no palco, os adereços e símbolos utilizados, a profunda concentração, o domínio do texto falado e cantado, a religiosidade. Tudo isso remetia a outro universo a mim familiar: o candomblé.
No decorrer da disciplina e no afã de muitas discussões, lendo e pesquisando sobre Bethânia, encontrei várias referências a ela, como se fosse uma espécie de entidade. Depoimentos de nomes como Jorge Amado, Julio Cortázar, Nelson Motta, Lecy Brandão, Fauzi Arap, Caetano Veloso, Luis Carlos Lacerda, Caio Fernando Abreu, todos convergindo para uma leitura “mística” da cantora santo-amarense, sempre sendo associada aos elementos “mágicos” do candomblé. Com minha experiência de filho de santo desde criança, e também como um estudioso desta religião, percebi a possibilidade de fazer um estudo, voltando-me para a antropologia, sobre as formas representacionais de Bethânia em relação ao seu orixá Oyá no universo do show business brasileiro..."