Um Defeito de Cor
Ana Maria Gonçalves
"Quando se tem aula de história muitas vezes ela pode ser tediosa justamente por somente priorizar o estudo da história da sociedade de forma coletiva e não quem fez parte dela ou foi importante, portanto é muito mais fácil se interessar pela história quando ela é narrada por quem a viveu pois é mais fácil criar laços afetivos e torcer pela pessoa, é este o trunfo do tijolo Um defeito de cor da escritora Ana Maria Gonçalves, um livro com 952 páginas, atrativo do começo ao fim, que poderia facilmente se confundir com um importante estudo sobre a vida do negro no Brasil colonial.
O livro conta a história de Kehinde, nascida em Daomé em 1810, logo no começo da história vê a sua mãe e seu irmão serem assassinados, então ela, sua irmã e sua vó vão viver em uma outra cidade, mas um dia ao estarem passeando são capturas para serem vendidas como escrevas, ao perceber o sumiço de ambas a avó vai atrás delas e consegue fiar presa junto com elas e também embarcar no navio. Na viagem devido a uma doença sua vó e sua irmã morrem, juntamente com outros escravos, assim a personagem chega sozinha na Bahia, lá ela trabalha ajudando na cozinha, após isso tem como função brincar coma filha do casamento anterior do dono. Depois de algum tempo este mesmo dono passa a se interessar por ela e acaba por a estuprar, mas ele morre algum tempo depois de uma picada de cobra e Kehinde se vê grávida, o que gera o ódio da segunda mulher do dono da fazenda, pois esta engravidou várias vezes e nunca consegue levar a gravidez até o fim.
Após a morte do dono e sua filha ter ido para um convento se preparando para casar a mulher dele decide ir morar em um solar na cidade de Salvador, lá com o passar do tempo ela se afeiçoa ao filho de Kehinde e por isso a passa a afastar o filho dela, alugando ela como escrava para uma família inglesa e após isso tornando-a escrava de ganho. Depois de um tempo ela consegue a sua alforria e a do seu filho, mas não de forma fácil.
A vida de Kehinde é muito movimentada; pequena empreendedora mais de dois maridos, participa de uma revolta feita por negros muçulmanos em Salvador, tem outro filho, passa por um retiro para aprender sobre a sua religião em Maranhão, volta e descobriu que seu filho foi vendido pelo pai branco, para pagar as dúvidas de jogo, parte para o Rio de Janeiro atrás do filho, segue seu rastro para Santos e depois Campinas. Depois de não conseguir achar ele ela volta a Salvador, de lá notando que não conseguirá achar seu filho decide voltar para a África.
No navio de volta ela conhece uma negro que trabalha para os ingleses e logo se apaixona por ele, e novamente ela se descobre grávida, desta vez de gêmeos. Na África ela descobre que os escravos que foram para o Brasil e voltaram para seu país de origem formam uma espécie de nova classe média sobre quem nunca saiu do país. John o seu novo marido vive viajando a negócios, mas quando descobre que ela está grávida dele decide morar junto com ela. Ela cria uma empresa de fazer casas no estilo das casas brasileiras e logo enriquece.
É após seu dois filhos estarem já criados e crescidos que a história começa com ela vindo em uma navio para o Brasil já quase cega e a beira da morte, seguindo uma última pista sobre seu filho desaparecido.
O livro é sedutor, prendeu-me da primeira à última página, com uma história nos moldes antigos; começo meio e fim. Nele vemos uma mulher forte a ponto de enfrentar tudo e se sobressair, mas além disso o livro tem exaustivas descrições sobre o Brasil colonial, os costumes dos negros, desde religião, escravidão, capoeira, até sobre as cidades, mas em nenhum momento se torna chato, pelo contrário fica a ideia de que a autora está compondo um quadro sobre aquilo que decide narrar.
Apesar de Kehinde ser uma mulher de bom coração não é raro no livro encontrarmos descrições violentas e de uma crueldade chocantes, mas a mesma vivacidade narrativa em tons fortes e precisos são narrados em todos os fatos, sem que em momento algum se torne uma história melosa, pelo contrário o texto é tão simples e seco de floreio que faz jus ao gênero escolhido um relato, fazendo –se assim merecedor do prêmio que ganhou o Prêmio Casa de Las Americas, na categoria literatura Brasileira em 2006.
“ás vezes, parece-me que nada é suficiente na vida, nem as coisas boas nem as coisas más, pelo menos não a ponto de me deter.”
Gilberto Ortega Jr.