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Vissungos no Rosário
cantos da tradição banto em Minas
Sônia Queiroz
"Reunimos aqui alguns cantos remanescentes das línguas e culturas dos africanos que foram trazidos para o trabalho forçado nas minas de ouro e pedras preciosas no século XVIII. Passados três séculos da chegada às Minas dos primeiros africanos e seus descendentes nascidos na América, os traços das línguas africanas aqui faladas – o quimbundo, o quicongo e o umbundo – se restringem a fragmentos – versos e palavras soltos em alguns cantos do repertório da Festa de Nossa Senhora do Rosário e do Candombe (que se realiza também fora do âmbito da Festa do Rosário).
O trabalho de estudo desses cantos numa abordagem comparativa, levando em conta as relações com as línguas e manifestações culturais africanas, demanda dedicação e tempo sobre os textos de cá e de lá. O primeiro passo para esse estudo, no entanto, é a reunião dos cantos – música e letra. O que exige deslocamento e equipamento para gravação e transcrição. Essa etapa, da pesquisa de campo, vem sendo desenvolvida sistematicamente e com muita qualidade pela Associação Cultural Cachuera! e pela Viola Corrêa, com o patrocínio do Itaú e da Petrobrás Cultural. E também por iniciativas isoladas de artistas pesquisadores, como Titane, Caxi Rajão, Glaura Lucas e Daniel Magalhães. À iniciativa e qualidade do trabalho dos músicos e etnomusicólogos e de toda a equipe desses pesquisadores da música de tradição oral no Brasil, agradecemos o registro sonoro (e em alguns casos, escrito e em DVD) dos cantos aqui editados em forma de livro.
A seleção dos cantos, que parte dos CDs relacionados nas Referências, ao final desta publicação, tomou como critério sua gravação em território mineiro, na voz de lideranças de ternos ou guardas de Moçambique (ou Maçambique, forma adotada em alguns CDs), Catopés (ou Catopês), ou Candombe. O Capitão (ou Patrão, no caso dos Catopés) é hoje, por excelência, o guardião da tradição oral banto em Minas, por vezes acumulando a função de líder espiritual, político, portador da memória de cantos, contos, provérbios, cantador, regente, contador. São eles: João Lopes, do Reinado do Jatobá (Belo Horizonte); Ivo Silvério da Rocha, do Catopê de Milho Verde (Serro); Júlio Antônio Filho, do Moçambique de Fagundes (Santo Antônio do Amparo); Pedrina de Lourdes Santos, do Moçambique de Nossa Senhora das Mercês de Oliveira; Antônio Maria da Silva, do Reinado dos Arturos (Contagem); Dirceu Ferreira Sérgio, do Reinado de Justinópolis (Ribeirão das Neves); Jair Teodoro de Siqueira, do Candombe do Matição (Jaboticatubas). Além desses mestres, incluímos nesta publicação a voz de Maria de Lurdes Silva, conhecida como Dona Cesária, viúva de um antigo Contramestre do Catopê do Serro, que assumiu, naquela comunidade, a função de guardiã dos cantos de tradição.
A ligação rítmica e espiritual do Moçambique (ou Maçambique) com o Candombe se evidencia na “Saudação à Rainha” interpretada pelo Capitão João Lopes. O etnomusicólogo Paulo Dias comenta no encarte do CD Congado mineiro: Capitão João Lopes e o Moçambique de Jatobá cantam para uma rainha à porta de sua casa, convidando-a a se incorporar ao imperiado, conjunto de reis que desfila sob um grande pálio.
O texto cantado faz referência ao poder dos antigos mestres do caxambu (batuque de terreiro como o candombe) de fazerem crescer bananeiras no espaço de uma noite. [...]. A ligação rítmica com o candombe [...] fica evidente neste batido, denominado maçambique cruzado. Notem-se as brilhantes intervenções das
gungas em sapateio.
Segundo o encarte do CD Os negros do Rosário, a gunga, “pequeno cilindro de zinco com furinhos e enchimento de semente de caité, maria-preta ou bolinhas de chumbo”, é percutida pelo movimento das pernas durante a dança e “cada dançador tem três ou quatro gungas ..."
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