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Marcus Garvey e a Visão da África - Parte dois: Garvey e Garveyismo - Uma Estimativa

Edição, introdução e comentários de John Henrik Clarke

Com a assistência de Amy Jacques Garvey

 

Garvey e Garveyism

Uma Estimativa*

Por A. F. Elmes


Uma visão muito aproximada de uma imagem frequentemente deixa os elementos desproporcionalmente exagerados à sua verdadeira importância. Este princípio também deve ser levado em conta na estimativa de todos os movimentos humanos. A história não pode ser escrita de forma justa e desapaixonada, nem uma interpretação justa pode ser dada aos acontecimentos em meio à efervescência de tais acontecimentos, ou ainda de uma época, por uma pessoa que esteja muito próxima do palco de tais acontecimentos.


O Parlamento britânico decidiu recentemente dar publicidade a todos os documentos relativos à recente guerra. O mundo olhará com interesse e expectativa acima do normal para tais publicações, e agora sete anos após o Armistício, o julgamento sobre onde deve ser colocada a responsabilidade total pela guerra, quais foram as causas primárias e secundárias em uma única palavra, a interpretação dos fatos com total imparcialidade é o que se espera desses documentos.


Ninguém se recusará a admitir esse princípio - o princípio de que os movimentos humanos não podem ser vistos de perto em sua verdadeira perspectiva. A história precisa ter tempo para se justificar.


Para que não haja qualquer preconceito quanto à identidade do escritor, ele deseja dizer sobre si mesmo, desde o início, que ele não é, nem nunca foi, um Garveyista, nem em nenhum momento mostrou disposição para se tornar um discípulo ortodoxo de Garvey. Ele não tem ações na extinta Black Star Line, nem em nenhum dos empreendimentos fomentados pelo movimento. Ele não reivindica nenhuma aptidão particular para se declarar sobre o assunto, exceto o de um estranho, um estudante dos movimentos humanos, um observador simpatizante de Garvey e do funcionamento do programa colossal e pesado que ele criou.


No Harlem e em outras partes do país, o escritor teve a experiência de encontros pessoais, não acompanhados, no entanto, de qualquer violência física, com ardentes discípulos de Garvey e entre eles alguns de seus amigos que também ficaram intrigados com a sua (do escritor) incapacidade, talvez mais francamente com sua obtusidade mental, em não ser capaz de reconhecer esse como o salvador de sua raça.


Seus contatos foram amplos e ele assistiu e estudou o movimento, leu com avidez o Mundo Negro e ele tem diante de si enquanto escreve este artigo A Constituição e o Livro de Leis, feito para o Governo da Universal Negro Improvement Association, e da Liga das Comunidades Africanas do Mundo. Revisada e alterada em agosto de 1920.


Artigos de jornais e revistas apareceram em ambos os lados e a linguagem de alguns deles foi pungentemente sarcástica e muitos deles desceram ao plano de abuso e difamação pessoal do homem Garvey. E todos eles tiveram uma ampla circulação.


Agora que o tumulto e os gritos estão prestes a diminuir nos campos pró e anti-Garvey, agora que o próprio Garvey passou para as sombras da prisão federal e a oposição aberta a ele necessariamente se tornou inútil, seria bom que alguns forasteiros simpatizantes cujo estado de espírito assim caracterizado se apresentassem publicamente e falassem sobre sua simpatia por ele.


Observa-se que nenhum homem poderia estar em uma daquelas plateias lotadas do Liberty Hall, ver um dos desfiles ostensivos de Garvey, ouvir a voz magnética de Garvey, ler seu Mundo Negro, observar a amplitude de suas ideias e depois dizer que não sentia nada com tudo aquilo. Deixe que ele diga isso e seria lançado sobre ele uma séria dúvida sobre sua sanidade mental. Isso está inteiramente à parte da bondade ou maldade do garveyismo. Há algo de muito forte nisso; todos os homens com o mínimo de razoabilidade admitiriam isso prontamente.


E como isso aconteceu? Foi com a personalidade de Garvey. Chame-o como quiser: um visionário, idealista inacreditável, reformador fanático, oportunista sem princípios; por trás desses epítetos está um fato incontestável sobre Garvey, a personalidade do homem que atraiu dramaticamente a atenção do mundo.


Ao contrário de muito do que foi publicado até agora, acredito que o homem não era fundamentalmente insincero. O que ele viu, ele viu e não havia como acreditar em sua própria mente. É verdade que muitos de seus seguidores ficaram desapontados, foram enganados, desnorteados, enfeitiçados e se renderam à razão, bem como ao dinheiro a disposição. A coisa não funcionou como eles esperavam; mas na própria mente de Garvey havia um pequeno limite entre o que ele transmitia e o que pairava dentro de sua cabeça. Acho que ele foi substancialmente e principalmente sincero.


Se eu entendi seu programa corretamente, ele foi sólido em sua alegação básica para seu povo. Mais ainda, caracterizei seu programa como um programa pesado. Os objetos da UNIA como dados em sua Constituição e Livro de Leis me fazem sorrir ao lê-los. Eles vão desde recuperar os falidos e ajudar os necessitados ao estabelecimento de uma nação negra na África, desde ajudar tribos negligenciadas na África até a fundação de universidades, faculdades, academias e um empreendimento comercial mundial. . . Abrangente, colossal, robusto e incrível! Nenhum homem é sábio nem poderoso o suficiente para montar em tantos cavalos ao mesmo tempo.


Interpretando esses múltiplos objetivos sinteticamente e como Garvey buscou realizá-los na prática, o que encontramos? Ele está lutando pelo princípio de uma vida grupal autossustentável e auto propagante, de que, como raça, o negro não ascenderá à plenitude da individualidade racial até que seu grupo se torne totalmente competente e adequado em recursos para as demandas de sua vida econômica, vida política, moral e espiritual. O que há contra isso? Todas as organizações negras votam sua adoção plena com as duas mãos levantadas. Em princípio; Sim, é isso que fazemos.


Nenhum homem que se contenta em permanecer pobre, que para suprir suas necessidades básicas, que busca ser dependente dos outros, merece muito respeito. Nenhuma raça chega ao lugar da autonomia digna permanece pobre. Marcus Garvey argumenta que quando o homem de cor precisa de um terno, deve haver um alfaiate de sua cor competente para lhe servir, uma loja de atacado de proprietários de sua cor onde as mercadorias podem ser adquiridas, uma fábrica com donos de sua cor para a preparação da matéria-prima, produtores de sua cor produzir a matéria-prima e navios tripulados e conduzidos por homens de sua raça para transportar suas mercadorias. Ele fecharia todo o círculo econômico com agentes e agências de seu próprio povo. Assim, ele carregou a doutrina nos outros aspectos da vida negra. Este princípio não é válido para um programa de elevação e avanço para qualquer povo? (Nota da tradutora: Há quem finja não ver isso, mas morre de amores pela comunidade chinesa, árabe, nipônica...eles costumam chamar essas comunidades de organizados, não é isso?).


Marcus Garvey, embora fundamentalmente sincero, infelizmente não conseguiu perceber suas limitações, e a tremenda amplitude de sua mente não foi equilibrada pelo poder de penetração adequado. Enquanto ele sonhava com o conteúdo emocional de seus sonhos, o tecido vistoso de suas visões o afastava em método do imediato da pratica. Em suma, para a realização de tais objetivos universais parecia faltar ao líder muitos dos pré-requisitos intelectuais.


Nenhuma estimativa do garveyismo como um movimento social pode ignorar o fato de que sua personalidade mais a imensidão das coisas que ele tentou fazer deu a ele uma boa medida do poder de seu apelo. Ele pensava em termos amplos e universais e em uma organização abrangeria do Alfa ao Ômega do progresso de seu povo. Tal mente é geralmente limitada em poder analítico e capacidade de penetração. Garvey era eminentemente assim. Sua própria incapacidade de raciocínio claro e analítico o tornou intolerante à interferência e o fez assumir às vezes a investidura da retidão divina e da inspiração sobrenatural para seu plano.


Garvey era um profeta. Ele era possuidor de uma grande e nobre paixão. O fervor com que ele acreditava em si mesmo e em sua mensagem, a plena medida de sua devoção ao que ele considerava certo, não pode ser contestado com sucesso. Ele errou o alvo em método e procedimento. Como outros reformadores que o antecederam, essa paixão pela redenção de seu povo o levou além dos limites da discrição e sua incapacidade de sentir suas limitações foi realmente um elemento terrível em sua psicologia. O garveyismo passou a ser considerado por vários negros bem instruídos ​​como um evangelho de ódio aos brancos e tudo o que pertence a esse grupo. Isso foi mais do que lamentável. Nenhum programa de elevação permanente para o negro pode prosseguir com sucesso com tal questão. Respirar ameaças e matanças contra o elemento dominante entre os quais vivemos, movemos e existimos era comum entre os discípulos de Marcus Garvey. Era louco e pior. Ensina os negros a odiar os brancos e logo será impossível ensiná-los a amar e pensar bem por si mesmos. O garveyismo perdeu muito da simpatia inteligente, se não da do apoio as claras, que poderia ter conquistado pelas ardentes ebulições de seus ardentes embaixadores. No entanto lhes digo que, nosso julgamento sobre Garvey e seu movimento, não deve ser feito apenas por esse motivo. Convém observar que reformadores e profetas estão propensos a se entregarem dessa maneira. Também é verdade que os excessos cometidos por um movimento não devem necessariamente influenciar o julgamento nessa direção. Reformadores, profetas e movimentos humanos atuais que corrigem uma ordem já existente têm esse hábito.


"Liberdade, igualdade, fraternidade" são os baluartes aceitos na democracia. Volte-se para a história da Revolução Francesa e veja a extravagância pela qual essas ideias foram construídas. Eles derrubariam tudo; sim, e religião também. Na esquina de uma rua em Paris, um republicano foi ouvido a declarar como eles iriam destruir igrejas, crucifixos e santuários, tudo o que representava a perpetuação da religião. No entanto, a história aponta orgulhosamente para esse evento como marcando o aniversário do movimento democrático moderno. (Nota da tradutora: A Revolução Francesa é um belo exemplo de que o branco pode fazer e falar o que quiser, eles seguem fazendo o que sempre fizeram de melhor, destruir. E mesmo assim, eles recebem apoio não só dos brancos como de pretos também, que acreditavam nas boas intenções do branco, daquelas em que o inferno está cheio.).


Garvey teve uma ótima ideia. Tinha em si um notável poder de atração e contágio. Quando uma grande ideia se apodera profundamente das mentes de um grupo com outros elementos sugestivos em sua atmosfera mental e social cooperando, é suscetível de causar comoção e, como resultado, chamar a atenção de muita matéria espumosa e estranha.


A propagação fenomenal do garveyismo, foi além disso, deve ser chamada a atenção do conhecimento dos líderes da psicologia de seu povo aliado, ao fato de que isso é mais significativo pela época em que ocorreu e nas circunstâncias em que o movimento foi criado. Marca dos elementos da psicologia negra que ele dominava e colocou a seu serviço. Garvey prova minha própria convicção de que somente o negro pode interpretar adequadamente o negro. O amor pelos símbolos, o desejo de poder, títulos, etc, cavaleiros emplumados em desfiles vistosos, tudo isso Garvey levou e buscou para a UNIA. Toda a periferia deslumbrante em trajes, exibição na corte, títulos fantásticos eram muito relevantes para seu objetivo – a captura do coração (se não da cabeça) e da imaginação das massas de seu povo, e funcionou. Ele capturou, além disso, alguns intelectuais. Esta foi uma conquista esplêndida. Se ao menos o líder tivesse tido o bom senso de se vincular a esta última classe a para aconselhamento, direção executiva e administração de negócios nas linhas especiais de seus múltiplos empreendimentos, o colapso poderia ter sido adiado e tornado muito menos dramático. Não estou convencido de que algum acidente teria sido totalmente evitado, pois Garvey, lisonjeado pelo sucesso, tornou-se obstinado e impaciente com o conselho dos outros. . .


E agora, Marcus Garvey está atrás das grades condenado por usar os correios para fraudar, e a pergunta mais pertinente é o que acontece com a UNIA? Seus discípulos ortodoxos dão a resposta para a satisfação daqueles dentro do rebanho. Poderia muito bem ser colocado: "Aqui jaz o corpo de Garvey... Mas sua alma continua marchando". E para as massas de negros de fora do rebanho que fazem mal em se alegrar com a queda de Garvey, seria bom descobrir se há algo neste naufrágio de esperanças e empreendimentos que possa ser recuperado.


Aqui está uma coisa. Atribua isso ao eterno crédito de Marcus Garvey pois antes dele não houve um homem que despertou com tanta expressão a consciência dos povos negros na medida em que ele conseguiu despertar - tanto em grau quanto em área geográfica sobre a qual suas ideias se expandiram. Negros de todo o mundo passaram a pensar em si mesmos como uma raça - com esperança e destino, como nunca antes havia acontecido. Eu considero isso uma coisa de alto valor. Essa consciência de raça talvez tenha sido mais vocalizada na América do que em qualquer outro lugar entre os negros, e existia antes de Garvey, você dirá; mas Garvey deu-lhe proporções maiores e, sem dúvida, uma altura a que nunca havia chegado. Sob o feitiço de sua propaganda, ela foi ampliada a ponto de justificar o nome de sua organização, Universal Negro Improvement Association. Assim, o estado atual em que o garveyismo caiu oferece um novo desafio; esse novo desafio é: será que algum novo líder de igual amplitude, simpatia, intelecto mais prático e de aconselhamento sóbrio se entregará à tarefa de conservação desta consciência de raça para o bem futuro deste povo? Por mais que esse grande produto espiritual tenha sido considerado algo extremamente necessário, seria uma pena vê-lo perdido sob o estrondo da queda de Garvey. Talvez esse líder possa ser encontrado nas fileiras da UNIA...


Finalmente, não convém tratar o garveyismo com desapego, indiferença; não dá para culpar, criticar ou vilipendiar de maneira ampla, indiscriminada, nem fazer escárnio, como muitos induzem a escarnecer. Muitos forasteiros como eu podem ser levados mais cedo ou mais tarde a admitir: afinal, havia algo de muito bom nisso!


*Oportunidade, maio de 1925.

 

Próximo título: Parte dois: Memórias de um capitão da Black Star Line



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